Os motivos que levam um casal a romper são vários, mas há, sempre, um elemento comum: a dor. E, com ela, vem o medo, a insegurança, a dúvida. Sentimentos que provam o quanto é difícil abrir mão de uma relação —mesmo que ela esteja morta. Mas por que isso acontece? E como diferenciar o fim de uma crise?
Não é fácil abrir mão de um sonho. Não é fácil se despedir de uma história em que se investiu tanto amor, tanto tempo, tantos planos. É duro admitir, a si mesma, que aquilo que um dia foi motivo de felicidade é, hoje, a causa de insatisfação, tristeza e decepção. Mas não é só esse luto que permeia os momentos que antecipam uma separação. Não é só a dificuldade de encarar aquela sensação de fracasso que faz com que muitas mulheres sofram por anos — e às vezes a vida toda — num relacionamento vazio. “Existe também o peso das expectativas sociais, da família, o medo de ficar só e o sentimento de culpa, muitas vezes, pelos filhos”, diz Isabel Kahn, professora de Psicoterapia de Casal e Família da PUC-SP.
Há ainda o receio de que a insatisfação seja fruto de uma crise pontual, de uma turbulência que possa ser superada — afinal, nenhum relacionamento é feito só de bons momentos. Para a psicóloga Beatriz Cardella, autora de O amor na relação terapêutica e Laços e nós — amor e intimidade nas relações humanas, a confusão entre uma crise e um relacionamento sem salvação é comum. “Vivemos uma época de muito individualismo, as pessoas parecem cada vez mais sem disponibilidade para o outro. Crises fazem parte de qualquer relação viva, que se transforma”, diz. “Quando um casal está amadurecendo, é natural que precise de ajustes, de adaptações. Mas uma crise não pode ser superada quando os parceiros não estão mais dispostos a fazer renúncias, quando a tolerância chegou ao limite.”
Mas às vezes, no calor dos sentimentos, é difícil identificar quando é um e quando é outro. Nessas horas, segundo as especialistas, é preciso parar, se questionar e avaliar algumas questões importantes. Sempre existem indícios que ajudam a ver a situação com mais clareza (veja quadro).
O corpo também dá sinais — sintomas físicos, muitas vezes. Segundo a sexóloga e psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do ProSex — Projeto de Sexualidade da USP, é comum o aparecimento de insônia, irritação, perda da capacidade de concentração, queda da produtividade no trabalho, dor de cabeça, gripes de repetição, emagrecimento ou compulsão por comida não apenas após uma separação como nos momentos que a antecedem. “Com a resistência mais baixa, as pessoas também ficam mais vulneráveis a infecções urinárias, gástricas e intestinais. Esse leque de problemas costuma aparecer de acordo com a profundidade com que a perda é sentida, é algo bem individual.”
A seguir, duas mulheres contam os medos, inseguranças e questionamentos que sentiram antes de tomar a decisão de pôr fim à relação que as fazia infelizes.
“Hoje vejo que passei metade dessa relacão tentando sair dela.”
– CLARA, 33 anos
DIREÇÕES OPOSTAS
Clara*, 33, publicitária, namorou por quatro anos e está separada há seis meses
“Eu e meu ex-namorado nos conhecemos na noite, em uma balada nada promissora. Nós começamos a ficar juntos e o início já foi complicado, pois ele escorregava, não queria assumir um compromisso. A gente passava o final de semana juntos e depois não se falava a semana inteira. Para mim, era um looping emocional, pois eu estava completamente apaixonada. Foi difícil conseguir que ele assumisse o namoro. Hoje eu vejo que esse modus operandi dele pautou nossa relação por todos esses anos. Se no início o difícil era assumir a relação, no meio e no fim a dificuldade era assumir planos, quaisquer que fossem.
Depois de uns dois anos juntos, a falta de compromisso com um futuro em comum, o fato de ele não querer ter filhos, casar, tudo isso fez com que passássemos a viver uma relação que não saía do lugar. Isso começou a me fazer mal. A possibilidade de viver com alguém com tantos obstáculos fazia com que eu me sentisse sufocada. Ao mesmo tempo, a ausência completa de um desejo comum me sufocava igualmente. Eu me lembro de ter dito a ele que nosso namoro ia acabar perdendo o sentido. E foi exatamente o que aconteceu. É como se tivéssemos nos encontrado no mesmo ponto de ônibus, só que para irmos para direções opostas.
É assustador quando penso que passei quase metade dessa relação tentando sair dela. Minha insatisfação, claro, gerava muitas crises. A gente tinha conversas dilacerantes e, no final, acabava ficando junto. Era como se essas crises me dessem um fôlego. Chegava ao limite de perdê-lo, sentia medo, pânico e usava isso para me animar. Mas, depois de dois meses, eu puxava outra crise de novo. Os medos eram vários, de muitas coisas. Eu tinha medo de não conseguir encontrar alguém, de não ter mais tempo para ter filhos — fazia as contas, mentalmente, da minha idade e do tempo necessário para conhecer uma pessoa, namorar, decidir engravidar... Pronto, me sentia velha demais para começar uma relação do zero de novo. Eu tinha medo de viver. Era como se eu fosse uma menininha frágil. Desde pensar em como seria sair sozinha para a balada até me perguntar se alguém mais gostaria de mim — e se eu gostaria de novo de alguém —, tudo me assustava.
Depois de dois anos de muitas brigas, eu estava emocionalmente destruída, me sentindo presa, sufocada, sem perspectivas. Tinha crises seguidas de choro. E, no último período, sentia muita raiva também. Tornei-me extremamente agressiva, impaciente e ressentida. Descontava tudo nele, o que acho que acabou o levando a tomar a decisão, pouco depois, de pôr um fim à relação. Ele também estava em cacos e sentindo-se culpado por ter sido um namorado incompleto para uma mulher que ele amou tanto. O fundo do poço foi inevitável. A relação estava esgotada, completamente acabada. Até que ele deu o basta que eu não tive coragem de dar.
Todo esse processo, e não somente o fim em si, me abateu profundamente. Quando o namoro acabou, eu passei a não sentir mais fome, emagreci uns quatro quilos, comecei a ter dificuldades para dormir e a ter crises de ansiedade que não me deixavam respirar direito. Comecei a fazer terapia e cheguei a tomar antidepressivos. Também iniciei um tratamento de acupuntura.
Hoje, eu penso que eu já estava deprimida nesses dois últimos anos e devia ter tomado a decisão da separação muito antes. Talvez assim tivesse evitado tanto sofrimento para mim e para ele. O que eu quero agora é paz. O final do meu relacionamento foi sofrido demais, ainda estou sofrendo. Mas é uma dor que não me derruba mais. O medo me acompanhou por um tempo. Só quero agora olhar para a vida com a perspectiva de que o futuro pode ser vivido, indo para frente.”
“Ele saiu de casa e voltou várias vezes. Era dolorido demais.” – CRISTINA, 38 anos
SOLIDÃO A DOIS
Cristina*, 38, produtora musical, foi casada por nove anos e está separada há três
“Eu e meu ex-marido nos conhecemos em um curso de pós-graduação. Depois de uns dois anos de namoro, eu engravidei e fomos morar juntos. Tivemos um casamento normal, as brigas eram mais sobre a
educação de nosso filho. Até que chegou a crise dos sete anos. Não teve nenhum fator específico, tipo traição, nada disso. Acho que foi uma explosão pelo desgaste dos desentendimentos do dia a dia. Nós quase nos separamos, mas, por causa do meu filho, resolvemos continuar morando na mesma casa, cada um num quarto. Claro que não deu certo, porque ainda nos gostávamos e acabamos reatando. Aí partimos para uma tentativa de dar um novo ânimo à união: resolvemos ter outro bebê. Evidentemente isso não resolveu nossos problemas e, depois de um ano que o bebê nasceu, meu marido saiu de casa pela primeira vez. Não foi uma decisão dele, mas minha. Eu não me sentia mais amada, achava que ele estava lá apenas pelas crianças. Eu vivia insatisfeita, infeliz.
Foi uma fase difícil, principalmente porque eu me sentia culpada por separar meus filhos do pai, não queria quebrar o laço entre eles. Então acabei pedindo para ele voltar. Isso aconteceu quatro vezes no período de um ano e meio. Eu pedia para ele sair e depois o chamava de volta. Era desgastante para nós dois e para os meninos, mas eu tinha dificuldade em pôr um ponto final definitivo, de pedir mesmo a separação, deixar que ele saísse de vez.
Mesmo com essas tentativas de fazer o casamento funcionar a qualquer custo, no fundo a gente não se esforçava realmente para dar certo. Eu comecei a fazer terapia e descobri que estava tentando manter o casamento por causa das crianças. É difícil tomar a decisão de desmanchar a família que a gente construiu. É doído perceber que aquela pessoa com quem eu pensei em dividir a minha vida não pode mais me fazer feliz. É como jogar os nossos sonhos pela janela. Dá medo do futuro, de não encontrar mais alguém especial, de causar problemas emocionais para as crianças.
Mas nada disso segura um casamento. Eu estava sofrendo, perdi o apetite, emagreci seis quilos. Há dois anos, ele saiu de casa definitivamente. Estávamos num ponto em que nem discutíamos mais, nossa separação foi pacífica. Mas a relação esfriou porque ele trabalhava demais (é diretor comercial de uma empresa) e eu me sentia só, me sentia pouco amada. Eu não tinha mais tesão e ele também não se esforçava para me satisfazer na cama — e o sexo sempre foi importante para mim. Acho que essa perda de interesse mútua aconteceu aos poucos e com o tempo de casamento percebi que tínhamos muito pouco em comum. Eu adoro arte, história, cultura, música e ele é um homem da terra, da área comercial, temos referências culturais totalmente diferentes. Ele não gosta da noite, eu sempre adorei. Acho que os opostos se atraem, mas não se mantêm.
Enfim, motivos para que eu enxergasse que aquela relação não tinha mais futuro não faltavam, mas, mesmo assim, demorou para eu me convencer de que era, mesmo, o fim. Ele não queria, mas eu sabia que era por causa das crianças e não por mim. No dia que ele foi embora, senti um vazio enorme. No começo é estranho, é preciso reaprender a viver. Minha frustração era entender como eu não era capaz de amar mais esse homem lindo, trabalhador, inteligente, sem vícios, cheio de qualidades. Meu dilema na terapia sempre foi esse. Até que percebi que eu precisava de alguém que realmente se preocupasse comigo, olhasse dentro dos meus olhos, me sentisse. Alguém que compartilhasse a sua vida comigo. Nós perdemos tudo isso. E eu sofria por não aceitar o fim desse amor.
Mas, aos poucos, a tristeza vai passando e a gente inventa novos hábitos e descobre forças que nem sabia que tinha. E a vida vai ganhando outras cores. Decidi então que queria ficar um pouco sozinha, cuidar dos meus filhos e retomar as coisas que me dão prazer. Voltei para o balé, para as aulas de piano e de canto. Coloquei até silicone! Voltei a fazer tudo que eu mais gostava e tinha deixado de lado por causa do casamento. Hoje, sou mais feliz.”
Pistas para identificar o início do fim de uma relação
• É a primeira crise que o casal enfrenta? Dificilmente alguém se separa por causa do primeiro obstáculo. Por outro lado, a repetição das crises é um indício de que o relacionamento caminha para o fim.
• A vontade de preservar o casamento ou o namoro é por amor, por querer ficar ao lado daquela pessoa? Ou é por insegurança ou comodismo? Se não houver amor e prazer de estar junto, cedo ou tarde o medo de tomar a decisão da separação acaba.
• Por trás da ideia de separação há uma tentativa de resgate da individualidade perdida ou a reafirmação do próprio individualismo e da incapacidade de ceder e/ou perdoar?
* Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas.
Por Alessandra Kormann.